Desde o período colonial, na luta pela independência do jugo português, os estudantes brasileiros participam ativamente da luta de classes de nosso país. Os jovens que estudavam na Europa foram fundamentais para dar o suporte teórico das Conjurações Mineira (1789) e Baiana (1796), trazendo para o Brasil a revolucionária influência do iluminismo e do racionalismo, das revoluções burguesas norte-americana e francesa. Durante o império os estudantes se destacaram pela participação na luta contra a escravidão, expressão desta atuação foi o jovem poeta baiano Castro Alves, que fez o curso de Direito em Pernambuco e na USP, que fez de seus versos os mais belos manifestos pela libertação dos escravos. A simpatia das massas estudantis com as lutas do povo pobre se evidencia com as manifestações de apoio a Canudos (1897), particularmente no manifesto dos universitários baianos denunciando a bárbarie e o genocídio perpetrado pelo Estado reacionário.
No entanto, uma maior politização e organização do movimento estudantil ocorrerá a partir da intervenção do Partido Comunista do Brasil (fundado em 1922) entre os jovens intelectuais. Em 1936 é fundada a União da Juventude Comunista, organização que será decisiva para diversas mobilizações estudantis como as manifestações anti-fascistas, exigindo que o Brasil participasse na II Guerra contra o nazi-fascismo; os protestos contra o envio de tropas para a invasão ianque na Coréia; e a campanha anti-imperialista pela nacionalização do petróleo, "O petróleo é nosso". A UJC também foi decisiva para desatrelar a Une do Estado Novo, dando a ela um caráter mais combativo e uma direção proletária. Porém o reformismo que se instala na direção do PCB, principalmente nos anos 50 e 60, irá desviar o movimento estudantil para o caminho eleitoreiro e da conciliação de classes. O reformismo do PCB irá se expressar nos apoios aos chamados "governos do povo" de Getúlio e JK e a participação ativa na gestão de João Goulart. Esta postura governista e conciliadora desarmou o movimento estudantil levando-o à paralisia e ao distanciamento da massa.
A primeira contraposição a esquerda da direção reformista será a da Ação Popular, grupo oriundo da juventude católica que adere ao marxismo e propugna um projeto revolucionário de tomada do poder. A AP hegemonizará a direção da Une de 62 até 68, oscilará entre a posição revolucionária das manifestações contra a invasão ianque ao Vietnã e as posições governistas de conciliação com o presidente João Goulart. Apesar da posição combativa da AP, esta não terá fibra ideológica suficiente para contrapor mais profundamente o caminho reformista no movimento estudantil, pesava muito a herança do cristianismo. A ligação da Une com o governo Jango era intensa, a entidade chegava a participar da escolha do ministro da educação. Esta relação próxima longe de tornar o governo mais democrático tornou a Une ainda mais governista. O governismo da Une ficou patente na histórica "Greve do 1/3", este foi uma das maiores e mais importantes mobilizações dos estudantes pela democratização das universidades, sua principal reivindicação era de que 1/3 dos conselhos universitários fossem compostos por estudantes (hoje, os estudantes representam cerca de 1/10 dos conselhos). O movimento se alastrou por todo o país e a greve paralizou praticamente todas as universidades federais. Esta reivindicação batia de frente com as orientações do imperialismo norte-americano para a educação brasileira, que mais tarde deveneria nos acordos MEC/USAID, que dentre outras coisas visava restringir a autonomia das universidades. O governo Jango estava irredutível nas negociações da greve, foi então que a direção da Une capitulou, sob a argumentação de que o movimento estava atiçando as "forças golpistas de direita", então a Une encerrou a maior greve estudantil da história de nosso país. Este episódio comprova a existência de ilusões com o governo demagógico/populsista de João Goulart e com o Estado burguês/latifundiário. Tanto que no dia do golpe, 1o de abril de 64, a Une lança um manifesto conclamando os
militares a defenderem o governo ‘legítimo’ de João Goulart.
O golpe militar produzirá uma mudança significativa na direção do movimento estudantil. Jango não resistiu ao golpe e fugiu para o Uruguai, a constituição e o congresso "soberanos" foram ignorados, enfim mais uma vez a história comprovou que as instituições "democráticas" no capitalismo existem até quando lhe são úteis. As ilusões de mudar o país pela via eleitoral, os devaneios de que Jango era um governante popular, isto é, toda a justificativa política das posições reformistas ruíram em apenas um dia. É o início da ascensão de uma nova e revolucionária direção dentro do movimento estudantil. A posição dos estudantes se desenvolve rapidamente: primeiro lutas econômicas combativas, depois luta contra o regime militar, para então luta pelo o poder.
A primeira luta importante se dará no ano de 66 contra os acordos MEC/USAID e posteriormente contra a lei Suplicy de Lacerda. Os acordos MEC/USAID foram firmados entre os militares e o governo ianque em 1965, o tratado radicalizava a intervenção do EUA na elaboração das políticas educacionais brasileiras. No segundo semestre de 66 a Une, mesmo na ilegalidade, dirige uma grande jornada de lutas contra os acordos, denunciando seu caráter vil e vende-pátria. Os militares, que sempre se apresentavam como nacionalistas, foram denunciados por crimes de subserviência colonial. O movimento foi tão intenso que obrigou o regime a recuar e a rever alguns pontos do acordo. Com esta derrota a ditadura aprendeu que não poderia implementar seus planos para a educação sem antes dar golpes mais duros na organização independente dos estudantes. Em 67 radicaliza-se a aplicação da lei Suplicy de Lacerda (nome do ministro da educação), que em 64 colocara a Une na ilegalidade, são destituídas as direções dos principais centros acadêmicos e são convocadas eleições antecipadas. Os revolucionários boicotaram este engendro dos milicos e posteriormente organizaram eleições paralelas. Em contraposição aos diretórios da ditadura foram criados os chamados CA’s livres, que não eram reconhecidos oficialmente, tinham suas sedes fora da universidade, mas representavam seguramente a liderança da massa estudantil. Mesmo sob estas difíceis condições os revolucionários souberam se organizar, a repressão e a violência do regime aumentava, porém já começava a gestar a rebelião do povo, eram os preparativos para os grandes embates de 68.
No ano de 1968 ocorreu a maior rebelião estudantil da história do Brasil. É o ano em que os secundaristas se engajam com mais vigor, trazendo para os protestos sua ousadia e audácia. No dia 28 de março, estudantes que almoçavam no refeitório estudantil Calabouço, que funcionava no centro do Rio, iniciam um protesto contra o aumento da refeição. A polícia intervêm e invade o refeitório, os estudantes reagem com paus, pedras, pratos e talheres, a tropa começa a atirar contra os estudantes e o secundarista Edson Luís, paraense, de 18 anos, é ferido fatalmente. Dá-se então uma dura batalha pelo corpo do estudante assassinado, a massa consegue resgatá-lo e levam-no para a Assembléia Legislativa. Acompanharam o enterro no dia seguinte mais de 50 mil pessoas. Por todo o país estouram mobilizações em repúdio ao assassinato. Em Goiânia outro estudante é morto pela polícia. Daí por diante estudantes e regime se baterão abertamente nas passeatas. A massa organiza barricadas e uma grande
artilharia composta de pedras, vasos e paus surge do alto dos prédios. Em junho ocorre a histórica manifestação dos cem mil, cuja principal consigna era "Abaixo a ditadura!". O general Costa e Silva recebe uma comissão de estudantes, mas encerra a reunião se considerando desacatado. Em outubro é realizado clandestinamente o Congresso da Une em Ibiúna-SP, o regime descobre o encontro e prende mais de 1000 estudantes. Estavam nas mãos do Exército as principais lideranças do movimento estudantil brasileiro. Foi um grande golpe. Em dezembro é editado o Ato Institucional número 5 que legaliza as arbitrariedades e a tortura. Junto dele veio o famigerado Decreto-lei 477 que permitia a expulsão de militantes do movimento estudantil das universidades. A maioria dos dirigentes presos em Ibiúna foi expulsa de suas faculdades. O regime militar tentava pôr fim ao movimento que não conseguira deter em 64 e 67 com a lei Suplicy de Lacerda.
As manifestações de 68 representaram um grande desenvolvimento das lutas de 66 contra o acordo MEC/USAID. O que se planteava agora era "Abaixo a ditadura, povo no poder!". Os estudantes foram para as ruas com este propósito e fizeram estremecer o regime. Ao longo das lutas as massas ganharam grande experiência nos enfrentamentos com a polícia e claramente os estudantes levavam a vantagem. Mas era ilusão querer derrubar a ditadura com manifestações de rua, esta expectativa conduziu o movimento a erros importantes: desligamento dos estudantes com as massas camponesas e operárias (que apoiavam a luta mas ainda não participavam) e a crença na vitória rápida e de um só golpe. A concepção de achar que estava-se perto da tomada do poder descolou o movimento da massa de estudantes. Outro erro desta concepção foi o descuido com as questões de autodefesa do movimento, subestimou-se a facistização do regime. O movimento estudantil havia "desafiado o imperador" e era preciso estar preparado para
a rebordosa. A queda do congresso de Ibiúna mostra que o movimento não havia se preparado o suficiente para os momentos mais duros da luta.
Não há dúvida que o aspecto principal das lutas de 68 é o positivo. A politização e a combatividade dos estudantes atingiram o patamar mais elevado, isto produziu uma riquíssima geração de revolucionários, de valorosos e destemidos jovens que se dispuseram a pegar em armas para fazer a revolução em nosso país. Milhares de estudantes foram para a luta armada e impuseram uma resistência heróica aos facínoras. Mas aqui também encontraremos as ilusões da possibilidade de derrubar a ditadura rapidamente.Esta concepção dizia que bastava um pequeno grupo iniciar a revolução que a massa os seguiria. Isto descolou os revolucionários do povo e consistiu no principal erro da luta armada neste período. A experiência mais avançada foi a da guerrilha do Araguaia, da qual participaram dezenas de militantes oriundos do movimento estudantil. Esta foi a primeira tentativa de iniciar a guerra popular no Brasil. A estratégia do PCdoB previa que seria um combate prolongado e que para ser vitorioso era fundamental a ligação com as massas. No entanto, esta experiência não escapou das influências das idéias e concepções em voga, se concentrou em uma região aonde não existia nenhuma experiência política das massas, houve pouco trabalho político entre o povo da região e acreditou-se que poderia se vencer os sucessivos cercos do inimigo.
A partir de 76, praticamente todas as organizações que dirigiram a luta armada estavam desmanteladas. O regime militar conseguira aniquilar a direção do processo, foram assasinados Pedro Pomar e Maurício Grabois do PCdoB, Manoel Lisboa e Emmanoel Bezerra do PCR, Carlos Marighela e Joaquimm Câmara da ALN, Carlos Lamarca do MR 8 e Mário Alves do PCBR e muitos outros dirigentes. Esta derrota temporária do caminho revolucionário em nosso país irá repercutir diretamente no movimento estudantil. Com o extermínio dos principais líderes revolucionários o que sobrou de suas organizações abandona o caminho da revolução. Ao invés de se realizar um balanço para se descobrir os erros e prosseguir na senda revolucionária, as principais organizações optaram por depor as armas. A lei de anistia representou o acordo de capitulação dos guerrilheiros arrependidos, que aceitavam ser colocados na mesma condição dos torturadores e gendarmes do Estado e se preparavam para integrar-se ao sistema, reingressar na chamada "vida política nacional", leia-se voltar a participar de eleições. O abandono do caminho revolucionário culminará na campanha pelas "Diretas já" em 1984. Era o retorno às ilusões reformistas de mudanças na vida do povo através das eleições.
No final dos anos 70 as massas oprimidas davam mostras de sua disposição de luta. Estouram greves operárias em São Bernardo e em Belo Horizonte, barricadas são levantadas, inúmeras fábricas ficam paradas. Na greve da Mannesman em BH os operários além da reivindicação salarial exigiam a libertação dos presos políticos. Vivia-se um auge do movimento de massas, porém faltou uma direção a altura que desse a estas enormes mobilizações uma perspectiva revolucionária. No movimento estudantil também vivemos este auge, inicia-se um massivo movimento de reconstrução das entidades de base e nacionais. Em 79 realiza-se em Salvador o congresso de reconstrução da UNE, este congresso foi fruto de intenso trabalho de base e de derrubada das velhas direções dos centros e diretórios acadêmicos ligados ao regime. Em Juiz de Fora, Minas Gerais, uma manifestação de 5000 estudantes derruba a antiga diretoria do DCE da UFJF e assim foi por todo o país. Este importante processo estava marcado pelo ódio à ditadura que emanava dos estudantes. O centro das reivindicações era a exigência de liberdades democráticas, o que estava correto porque expressava o sentimento de toda a massa. No entanto, a luta por liberdades democráticas não consiste em um objetivo final e sim um meio para que se possa desenvolver melhor a luta popular pela a tomada do poder. Já nas eleições de 80 praticamente todas as correntes do movimento estudantil estavam envolvidas no processo eleitoral. Um grande retrocesso, pois desde 67 as organizações estudantis vinham organizando as campanhas pelo "Voto nulo!".
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